Como deixar suas criptos para herdeiros com segurança

Como deixar suas criptos para herdeiros com segurança
Imagem destaque: Pexels/Ron Lach

Já parou para pensar no que acontece com suas criptomoedas se você morrer amanhã e ninguém souber a senha da sua carteira? Parece mórbido, mas é uma das conversas mais importantes que o mundo cripto evita ter.

Diferente de um banco ou uma corretora tradicional, onde alguém pode ir atrás com documentos, as criptomoedas guardadas em carteiras não custodiais funcionam com outro nível de responsabilidade. Se só você tem a chave… só você tem acesso. E isso tem consequências sérias.

Não tem número de suporte. Não tem botão de esqueceu a senha. Não tem volta.

Mesmo quem trabalha com perícia técnica só consegue ajudar em situações bem específicas, como quando a chave estava em um HD danificado e o dono deixou pistas, ou quando a senha era fraca o suficiente para ser quebrada com força bruta.

Mas na maioria dos casos, quando a seed some ou ninguém sabe onde está, o dinheiro fica preso para sempre. Literalmente. E isso acontece mais do que parece.

📚 Caso real que virou lenda cripto

Em 2018, Gerald Cotten, CEO da exchange canadense QuadrigaCX, morreu aos 30 anos, por complicações de Doença de Crohn. O atestado de óbito foi emitido por um hospital local e o corpo foi cremado logo depois. Ele era a única pessoa com acesso às chaves privadas das carteiras frias da empresa.

Como resultado, US$ 190 milhões em bitcoin (BTC) e outras criptos estão inacessíveis até hoje. 

Os clientes ficaram no prejuízo, e surgiram até teorias dizendo que ele teria simulado a própria morte. Afinal, o corpo foi cremado antes de qualquer investigação mais rigorosa.

Mas esse nem é o ponto principal. O que importa aqui é o que esse caso mostrou para todo mundo que tem cripto. Se ninguém mais souber sua chave, o dinheiro vira pó digital.

Independente de teorias, o que aconteceu com os fundos da Quadriga pode acontecer com qualquer pessoa que guarda suas criptos sozinha e não deixa nenhum tipo de plano para o que vem depois.

🧠 E se eu não quiser contar para ninguém?

Essa é a pergunta mais honesta que existe. Você pode amar sua esposa, confiar no seu melhor amigo, respeitar seus pais… mas cripto não é sobre confiança pessoal. É sobre proteger o acesso.

Muita gente já se deu mal por contar demais. Outros, por não contar nada. E o medo é real dos dois lados.

Tem quem viva com medo de morrer e deixar tudo inacessível. Tem quem viva com medo de ser roubado por alguém próximo ou até forçado a entregar a chave.

A verdade é que você precisa confiar na estrutura, não na pessoa. E aí entram algumas soluções mais inteligentes e menos arriscadas que simplesmente entregar sua seed em um papel.

Veja algumas estratégias mais recomendadas por especialistas:

📍 1. Dividir a seed em partes separadas

Com o método chamado Shamir Secret Sharing, você transforma sua seed em 3, 5 ou mais partes. A pessoa só consegue recuperar a carteira se tiver, por exemplo, 3 das 5 partes. Você pode deixar uma parte com um advogado, uma com um familiar confiável, outra num cofre físico ou até numa cápsula enterrada. Assim, ninguém tem o acesso completo sozinho.

Mas essa dica só vale se você dominar bem a implementação e fizer a gestão correta dos fragmentos.

🧾 2. Criar um cofre com instruções, não com a chave

Você pode escrever um documento com as orientações de onde está sua chave, sem revelar a seed diretamente. Exemplo: “Use o gerenciador X, senha Y, e vá na pasta tal do meu computador.” Esse documento pode ser deixado com um testamenteiro, um cartório digital, ou até selado em um cofre com instruções para ser aberto apenas em caso de falecimento.

Esse método é simples, mas não é tão seguro quanto o Shamir Secret Sharing. A segurança depende do sigilo das instruções. Se alguém tiver acesso ao documento, pode seguir os passos e chegar até a seed.

Além disso, se você mudar de computador, senha ou pasta e não atualizar o documento, os herdeiros podem perder o acesso. Ele também depende da confiança em terceiros. Quem tiver acesso ao cofre/testamenteiro pode antecipar o uso das instruções.

👥 3. Usar carteira multisig com diferentes pessoas ou instituições
 

Com uma carteira multisig, você define que a transação só acontece se, por exemplo, 2 de 3 pessoas assinarem.  Você pode ser uma das chaves. As outras podem estar com um familiar e uma entidade confiável. Assim, dificulta golpes e garante uma recuperação em caso de emergência.

Mas aqui, no caso da herança digital, é importante que familiares saibam do arranjo, senão os fundos podem ficar inacessíveis.

⚖️ 4. Fazer um testamento digital com respaldo jurídico
 

Você pode adicionar instruções técnicas em testamentos reais. Advogados especializados em cripto já trabalham com cláusulas que garantem o acesso legal dos herdeiros, sem expor diretamente a chave na documentação.

Mas testamento não protege a seed, ele apenas organiza legalmente o acesso. Se o documento for mal redigido ou arquivado sem cuidado, pode acabar revelando pistas demais.

Já existem escritórios no Brasil que falam sobre planejamento sucessório com criptomoedas. Zaarah Advogados, Lara Martins Advogados, FCM Law e Pinheiro Neto Advogados sao alguns deles. 

Mas atenção, isso não é uma recomendação nem uma indicação direta. Nunca tive contato com esses profissionais, não sei como é o atendimento ou a experiência prática com cripto.

Se você tiver interesse em buscar ajuda jurídica, o ideal é entrar em contato, checar histórico e ver se faz sentido para sua situação. Essa é uma pesquisa feita no Google como ponto de partida, mas cada pessoa precisa fazer sua própria verificação com calma antes de confiar informações sensíveis.

Mas qual opção escolher?

Ao meu ver, se a ideia é equilibrar segurança em vida e garantia de herança digital, a opção mais interessante é a carteira multisig.

Ela impede que alguém use os fundos sem você, mas também permite que, em caso de morte, familiares e/ou instituições confiáveis consigam acessar sem depender apenas de você.

E, se quiser deixar isso 100% organizado, dá para combinar com um testamento digital que descreva o arranjo multisig e legitime legalmente quem pode movimentar. Ou seja, Multisig + Testamento digital é a combinação perfeita.

🏛️ Quando as criptomoedas estão em uma exchange

Se os ativos de alguém estavam em exchange ou serviço com login (custodial), as chances de recuperação são bem melhores do que com carteira privada pura. Mas não é garantia, vai depender da plataforma, da documentação e da jurisdição.

No caso da Coinbase, por exemplo, quem for herdeiro precisa apresentar documentos como certidão de óbito, documentos do espólio e identidade oficial. 

Depois disso, se tudo estiver correto, a empresa transfere os ativos para conta autorizada. Eles deixam claro que você precisa fazer uma “reivindicação” de conta falecida (claim) pelo suporte deles.

Já na Binance existe um recurso chamado “Inheritance Appeal” (Apelação de Herança). Você faz login, vai em Atendimento/Suporte, “Legacy Inheritance” e envia documentos para comprovar. 

A plataforma diz que leva de 1 a 2 meses para avaliar. Além disso, o CEO da Binance afirmou que há processo de verificação com certidão de óbito e prova de parentesco antes de transferir para os herdeiros.

No geral:

  • Você não consegue “entrar” na conta direto como herdeiro.
  • A exchange exige certidão de óbito, documentos do espólio e comprovação legal de que você tem direito.
  • O tempo de análise pode variar bastante.

📂 O que fazer se você for herdeiro

Se alguém da sua família morreu e você desconfia ou sabe que a pessoa tinha criptomoedas, o ideal é agir com calma, mas o quanto antes.

Comece reunindo todos os dispositivos da pessoa Vale tudo que possa ter senha ou dado guardado: notebook, celular, pen drive, cofres, papelada antiga, carteira física, anotações.

Cheque se ela usava gerenciador de senhas. Pode ser a chave para acessar e-mails, carteiras ou plataformas.

Busque termos como seed, recovery phrase, mnemonic, carteira, wallet, ledger, trezor, frase de recuperação, crypto, bitcoin, ethereum.

Depois disso, verifique se ela usava exchanges. Entre nos e-mails da pessoa e procure mensagens de cadastro ou movimentações. Se encontrar contas em corretoras, você pode entrar em contato com o suporte.

Vai precisar apresentar documentos como certidão de óbito, RG da pessoa e decisão judicial comprovando que você tem direito ao espólio.

Se houver carteira não custodial, o caminho é outro. Aí a única chance de acesso será se você encontrar a chave privada ou a seed phrase em algum lugar. 

Procure um advogado especializado em sucessão e, de preferência, que conheça o universo cripto. Ele pode te orientar no processo e, se for o caso, abrir uma ação judicial para liberar contas bloqueadas em exchanges.

Por último, fique de olho em golpistas. Tem muita gente que aparece prometendo recuperar acesso, mas cobra caro e some. Nunca envie valores sem contrato, sem ver provas técnicas e sem saber com quem está falando.

🧾 Cripto não entra em inventário sozinha

A verdade é que ninguém quer pensar na própria morte, mas quem tem cripto precisa fazer isso.

Diferente de uma conta bancária, um imóvel ou um carro, as criptomoedas não aparecem magicamente no inventário. Elas precisam ser deixadas com instrução clara, acesso controlado e um plano minimamente inteligente.

Se você não preparar isso, o que hoje é liberdade pode virar frustração, perda total ou até confusão entre os herdeiros.

A boa notícia é que dá para resolver isso agora, com calma e com segurança, sem depender da confiança cega em ninguém.

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