Donald Trump anunciou ontem (2) a imposição de tarifas sobre importações de diversos países, numa tentativa de reequilibrar o comércio dos Estados Unidos (EUA) e estimular a produção nacional. Esse evento desencadeou uma forte correção no preço do bitcoin e no mercado financeiro tradicional. Entenda neste artigo o porquê dessa queda e o que esperar agora.
A política tarifária, batizada por Trump como o “dia da libertação”, entra em vigor em 5 de abril de 2025 e consiste na aplicação de uma tarifa básica de 10% sobre todos os produtos importados, além de tarifas adicionais para países considerados como os principais infratores comerciais.
De acordo com o presidente dos EUA, a tarifa de 10% é um percentual que servirá como base, podendo haver aumentos para determinadas regiões conforme a política de comércio exterior da administração norte-americana.
O objetivo declarado dessas tarifas é reduzir o déficit comercial dos EUA, fortalecer a produção nacional e gerar receita. No entanto, essas medidas podem elevar a inflação e até mesmo desencadear retaliações comerciais.
União Europeia, Japão e China foram atingidos por percentuais que podem chegar a 20%, 24% e, combinando novas e antigas medidas, até 54%, respectivamente.
Enquanto isso, nações do Sudeste Asiático, como Camboja, Laos e Vietnã, enfrentam tarifas próximas de 50%.
Já na América do Sul, Brasil, Colômbia e Peru foram atingidos com uma tarifa de 10% cada.
Segundo Danilo Matos, analista da exchange de criptomoedas NovaDAX, no mercado financeiro geral, para o Brasil, as tarifas norte-americanas podem aumentar a inflação devido à alta nos preços de importados dos EUA, corroendo o poder de compra dos brasileiros para artigos eletrônicos e commodities precificadas em dólar.
“Além disso, a instabilidade global pode levar à desvalorização do real, com investidores buscando ativos mais seguros, como o próprio dólar”.
Volatilidade nos mercados financeiros
Ontem, o bitcoin (BTC) chegou a superar os US$ 88 mil antes do anúncio das tarifas, mas, após a fala de Trump, a criptomoeda caiu 5%, levando o mercado de altcoins consigo.
O movimento de queda do BTC gerou US$ 180 milhões em liquidações de posições alavancadas, segundo a CoinGlass.
As operações futuras de bitcoin representaram US$ 62 milhões em liquidações de posições compradas e US$ 118 milhões em vendas forçadas de posições vendidas. O Ethereum também foi afetado, com US$ 89 milhões liquidados, a maior parte vinda de posições compradas.
A reação negativa se estendeu às bolsas de valores.
Imagem: Yahoo Finance
Os mercados asiáticos lideraram as perdas, com o índice Nikkei 225 caindo 3% e o Hang Seng de Hong Kong recuando 1,5%.
Nos Estados Unidos, os contratos futuros dos principais índices apontavam para uma abertura negativa, com quedas de mais de 2% no Dow Jones e acima de 3% na Nasdaq.
O setor varejista e as empresas de tecnologia foram os mais impactados. Em Londres, o índice FTSE 100 operava em baixa de 1,1%, pressionado pelo desempenho das mineradoras e bancos.
Mas por que as tarifas afetam tanto os mercados financeiros?
Porque elas trazem um verdadeiro caos para as economias como um todo, inclusive para os Estados Unidos.
“As medidas tarifárias de Trump acabam atraindo reações dos demais países, que passam a adotar medidas protecionistas contra os EUA. Então, estamos diante de uma onda de tarifas entre países que, na minha análise, pode causar, no longo prazo, algum efeito rebote para a economia americana (ao contrário do grande crescimento que o presidente Trump argumenta)”, destacou Paula Reis, analista CNPI-T parceira da Ripio.
Ao falar com a Reuters, Takahide Kiuchi, economista da Nomura Research Institute, destacou que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA foram os grandes arquitetos de um sistema de comércio multilateral que impulsionou a globalização. Agora, com taxas que chegam a ultrapassar a marca de 50%, essa ordem está sendo desmontada.
O efeito mais imediato das tarifas será o aumento dos preços de milhares de produtos comercializados globalmente. Isso pode desacelerar a economia mundial, como alerta Antonio Fatas, professor de macroeconomia da escola de negócios INSEAD, que vê um cenário de piora no desempenho econômico global e possibilidade de recessão.
“A reintrodução de tarifas anunciada por Donald Trump sinaliza uma nova onda de tensões geoeconômicas que impactam diretamente tanto o comércio global quanto os mercados financeiros tradicionais. Essas medidas costumam gerar efeitos imediatos, como inflação importada, aumento dos custos das cadeias de suprimentos, volatilidade cambial em mercados emergentes e reações defensivas por parte dos investidores”, lembrou Pedro Gutiérrez, diretor Latam da CoinEx.
A desorganização das cadeias de suprimentos, que há anos mantém os preços sob controle, pode levar a uma inflação mais alta e persistente. Para bancos centrais, como o Banco do Japão, isso representa um dilema: elevar juros para conter a inflação ou mantê-los baixos para evitar um choque ainda maior no setor exportador, afetado pelas tarifas norte-americanas.
Atualmente, Japão e Coreia do Sul estudam medidas emergenciais para apoiar setores prejudicados, mas têm poucas opções além de pedir isenções a Washington. O Japão, que enfrenta tarifas de 24% sobre seus automóveis exportados, pode levar a questão à Organização Mundial do Comércio (OMC), embora suas opções sejam limitadas devido aos laços de segurança com os EUA.
Toda essa incerteza pode complicar ainda mais a gestão das dívidas públicas globais, que já somam um recorde de US$ 318 trilhões, comprometendo investimentos em áreas como defesa e meio ambiente.
De acordo com a Reuters, outro risco potencial é a busca de Trump por novas formas de reduzir o déficit comercial dos EUA, como intervenções no câmbio. A possibilidade de medidas que favoreçam os exportadores norte-americanos, como a desvalorização forçada do dólar, pode gerar instabilidade nos mercados financeiros e comprometer o papel da moeda como principal reserva global.
A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse que a fragmentação do comércio mundial e a incerteza sobre o futuro das relações comerciais exigem reformas urgentes na Europa para manter a competitividade. O cenário atual, segundo ela, marca o fim de uma era de cooperação global e o início de um período mais instável para a economia mundial.
O que esperar para as criptomoedas agora?
Danilo apontou que, para o longo prazo, o impacto no mercado de criptomoedas ainda é imprevisível devido à forte volatilidade dessa indústria.
“Por um lado, a imposição de barreiras tarifárias pode levar investidores a buscar criptomoedas como refúgio contra a instabilidade financeira tradicional. Por outro lado, a imprevisibilidade das políticas de Trump pode resultar em vendas em massa e quedas nos preços”.
Já Vinicius Bellezzo, Business Development Manager da Bybit, apontou que já esperava uma volatilidade para o curto prazo do bitcoin, mas que, historicamente, momentos de incerteza econômica fortalecem o papel da criptomoeda como reserva de valor.
“Se a política tarifária levar a uma desvalorização do dólar ou a um aumento na busca por ativos alternativos, podemos ver um movimento positivo para o BTC. O mercado cripto já provou sua resiliência em cenários macroeconômicos desafiadores, e este pode ser mais um momento em que investidores recorrem ao bitcoin como proteção contra instabilidades globais”.
O diretor Latam da CoinEx também ressaltou a força das criptomoedas para o longo prazo.
“Ativos como Bitcoin, Ether e, especialmente, stablecoins estão ganhando um papel cada vez mais relevante como proteção contra a volatilidade, atraindo usuários que buscam segurança diante de decisões políticas imprevisíveis. Diferente dos ativos tradicionais, os criptoativos não estão sujeitos a fronteiras ou intermediários, permitindo reações mais rápidas e autônomas a choques econômicos”.
A analista Paula também concorda com a previsão de volatilidade negativa no curto prazo.
“Há algum tempo se estabeleceu forte correlação do mercado cripto com as bolsas americanas, especialmente a Nasdaq, onde estão listadas as empresas de tecnologia (segmento mais próximo dos projetos Web3 e blockchain). Sendo assim, no médio e longo prazo, as bolsas americanas em queda seriam um sinal de queda também para as criptomoedas. Considerando o curto prazo, em abril, isso já está precificado nos mercados em geral”.
Indo na mesma direção da parceira da Ripio, Charles Edwards apontou que o momento atual do BTC apresenta semelhanças com o fundo do mercado de 2022. Além disso, na visão do especialista, o sentimento das empresas norte-americanas atingiu níveis historicamente associados a crises, como as de 2000 e 2008.
Imagem: X/ Charles Edwards
Dados do índice Philadelphia Fed Business Outlook Survey mostram que a confiança empresarial caiu para menos de 15 pontos, sinalizando dificuldades econômicas. Embora nem sempre esse indicador seja preciso, ele já alertou sobre períodos de alto risco para os mercados financeiros no passado.
Segundo Edwards, o agravamento da guerra comercial ou uma possível redução nos lucros corporativos podem pressionar ainda mais o bitcoin para baixo.
Um nível-chave a ser monitorado no curto prazo do BTC é a marca de US$ 91 mil. Caso a criptomoeda consiga encerrar um dia de negociações acima dos US$ 84 mil, isso pode indicar um movimento de alta. No entanto, se o preço continuar caindo, há chances de que o bitcoin teste a região dos US$ 71 mil, onde pode encontrar suporte e apresentar uma recuperação.
No momento da escrita do artigo, o bitcoin é negociado a US$ 81,948.13.