Cardano ainda está no top 10. Mas… por quê?

A Cardano (ADA) segue firme entre as maiores criptomoedas do mercado, com bilhões em valor e uma legião de seguidores fiéis. Só tem um problema: pouca gente usa. Poucos apps, volume tímido, DeFi morno. Neste artigo, a pergunta que não cala: o que exatamente sustenta esse trono?

📉 O DeFi que nunca veio

A Cardano tem tudo que uma blockchain “grande” precisa: está entre as 10 maiores moedas do mundo, vale mais de US$ 20 bilhões, movimenta mais de US$ 400 milhões por dia e tem uma comunidade barulhenta, fiel e ativa.

Mas esse protagonismo não se reflete no que realmente importa: uso prático.

O valor total travado em aplicativos DeFi da rede é de apenas US$ 259 milhões — menos de 1,3% da capitalização de mercado da própria ADA.

Para efeito de comparação, é menos do que a TVL do protocolo Base, bem mais novo.

Na prática, isso significa que a Cardano quase não tem dinheiro em circulação dentro do próprio ecossistema. O staking é alto (1,82 bilhão de ADA), mas o uso de DApps, exchanges e contratos inteligentes segue tímido.

Mesmo com 11 milhões de transações totais registradas, o gráfico mostra queda no número de interações diárias, que hoje giram entre 20 mil e 35 mil — números modestos para uma rede desse porte.

Agora o contraste: Solana, que também se propõe a ser uma alternativa ao Ethereum, tem um market cap de US$ 80 bilhões, mas com um ecossistema muito mais vivo.

A rede acumula US$ 8,7 bilhões em TVL, quase 3,3 milhões de carteiras ativas por dia e mais de US$ 2 bilhões em volume diário — só a DEX Jupiter movimenta mais em um único dia do que todos os protocolos da Cardano juntos em várias semanas.

🧠 A eterna promessa

A Cardano foi lançada em 2017 com uma promessa clara: ser a blockchain mais segura, escalável e inteligente do mercado. O problema é que tudo isso veio acompanhado de um cronômetro quebrado.

Os contratos inteligentes, recurso básico em qualquer rede que pensa em crescer nas finanças descentralizadas, só apareceram em 2021 — quatro anos depois do nascimento da ADA.

Enquanto Ethereum, Solana e até a BNB Chain desenvolviam ecossistemas completos de DeFi, NFTs e DApps, a Cardano seguia… estudando. O discurso era sempre o mesmo: “estamos fazendo do jeito certo”. Mas enquanto ela preparava o terreno, o mercado já estava construindo arranha-céus em cima de soluções imperfeitas, como a SOL, mas funcionais.

Boa parte dos “grandes aplicativos” anunciados na rede vive num estado perpétuo de coming soon. Aqui estão três casos bem atuais:

🔹 SingularityNET (AGIX)

A esperada integração com IA foi anunciada em 2021 mas, na Cardano, o TVL do staking da AGIX é zero — ou seja, não há uso DeFi significativo na rede.

🔹 Liqwid Finance (LQ)

É hoje o maior protocolo de lending da Cardano, respondendo por US$ 69 milhões em TVL — ou seja, boa parte do TVL total da rede (~US$ 200M). Não é zero, mas tampouco robusto diante do hype inicial.

🔹 OccamFi (OCC)

Prometia ser o hub DeFi da Cardano — DEX, launchpad, farming. O que temos hoje? Um token fraco, volume baixo e distração com hype — uso e TVL irrelevantes.

🙏 A fé inabalável da comunidade

Se a Cardano ainda está entre as 10 maiores moedas do mundo, parte disso vem da tecnologia — e o resto, da fé. Os holders da ADA formam uma das comunidades mais fiéis (e barulhentas) do mercado cripto.

Não importa quantos prazos sejam perdidos, quantos projetos fiquem no limbo ou quantas métricas estejam em queda: eles continuam lá, firmes, com a hashtag #ADASTRONG tatuada na bio.

Críticas à Cardano? Prepare-se para sermão. Nos fóruns, é comum ver quem aponta falhas ser acusado de “não entender o projeto” ou “ter medo da descentralização de verdade”. Charles Hoskinson, o fundador, é tratado quase como uma figura messiânica. O slogan não oficial poderia muito bem ser: “In Charles We Trust”.

Esse sentimento cria um escudo. Qualquer dado negativo vira FUD. Qualquer atraso é um sinal de que “estão fazendo com calma, como deve ser”. E assim, a ADA permanece no top 10 — não porque entrega mais, mas porque seus seguidores acreditam que um dia vai entregar tudo. Mesmo que esse dia nunca chegue.

🧠 A teoria de Hoskinson vs. a prática do mercado

Enquanto outros fundadores correm para lançar produtos, captar usuários e resolver bugs no meio do caminho, Charles Hoskinson prefere o caminho oposto: planeja, estuda, publica, debate. A Cardano foi construída sob a promessa de ser a blockchain mais segura, mais bem fundamentada e mais academicamente embasada do mercado.

E talvez ela até seja. Mas fora das salas de conferência, o mercado quer uso — não teoria. No tempo em que a Cardano escreve um paper, a Solana lança três DApps novos. Enquanto Hoskinson debate formalismos e resistência à censura, usuários estão migrando para redes que funcionam na prática — mesmo que sejam “menos puras”.

É um caso clássico de excesso de perfeccionismo. A obsessão por criar “a blockchain ideal” faz a Cardano andar em câmera lenta, enquanto o resto do mercado corre. O discurso técnico convence em palestras, mas não sustenta ecossistemas. No final das contas, DEXs sem liquidez, protocolos sem usuários e transações minguadas não se resolvem com peer review.

🧩 A ADA vai continuar no top 10?

Talvez a pergunta certa não seja “por que a Cardano ainda está entre as maiores”, mas por quanto tempo vai continuar lá. A força da comunidade é inegável. O discurso técnico de Hoskinson ainda convence muitos. E o market cap da ADA segue grande demais para ser ignorado.

Mas no mundo cripto, quem não entrega, desaparece. Basta olhar o que aconteceu com outras moedas “grandonas” do passado: NEO, EOS, ICP. Todas tinham narrativas fortes, times técnicos e capital — até que a falta de uso real cobrou o preço.

A Cardano ainda tem tempo. Mas precisa escolher: vai continuar publicando papers ou vai começar a entregar produto? Porque fé sustenta um projeto por um tempo. Mas depois, ou roda bloco… ou vira ruína.