O que é o PL da Devastação: entenda como o novo projeto de licenciamento ambiental ameaça o meio ambiente no Brasil

O que é o PL da Devastação: entenda como o novo projeto de licenciamento ambiental ameaça o meio ambiente no Brasil
Imagem destaque: ChatGPT

Aprovado pelo Senado no último dia 21 de maio, o Projeto de Lei 2159/2021, que cria a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, gerou forte reação entre ambientalistas, entidades civis e setores ligados à defesa dos biomas brasileiros. Conhecido como “PL da Devastação”, o texto agora segue para análise final da Câmara dos Deputados, com risco real de alterar profundamente a legislação ambiental vigente no país.

O que é o PL da Devastação e por que está gerando tanta polêmica?

O projeto tem como proposta unificar normas e simplificar os processos de licenciamento ambiental em todo o Brasil. No entanto, na prática, especialistas como Suely Araújo (Observatório do Clima), Marcio Astrini (OC) e Gabriela Nepomuceno (Greenpeace) apontam que ele promove um desmonte do sistema de proteção ambiental ao afrouxar exigências, reduzir fiscalizações e permitir que empreendimentos com alto potencial poluidor avancem sem uma análise técnica criteriosa de riscos ambientais, sociais e climáticos.

O texto não define uma lista mínima de atividades sujeitas a licenciamento, deixando a decisão a cargo de estados e municípios. Isso pode gerar uma disputa por flexibilizações entre entes federativos, o que foi classificado pelo Observatório do Clima em nota técnica como um estímulo à “concorrência ambiental predatória” entre estados e municípios.

Principais riscos apontados por ambientalistas
  1. Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias e de saneamento — embora sejam atividades que possam causar fortes impactos ambientais, como uso intensivo de água, contaminação de solos e cursos d’água, desmatamento e degradação de biomas, a nova lei permite que esses setores operem sem a necessidade de licenciamento ambiental, comprometendo o monitoramento e o controle prévio de danos.
  2. Ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite autolicenciamento sem análise técnica — o que enfraquece o papel do Estado na fiscalização e na prevenção de danos ambientais, já que o empreendedor pode iniciar suas atividades apenas com uma autodeclaração, sem passar por avaliação prévia de órgãos ambientais. Essa modalidade já foi questionada pelo Supremo Tribunal Federal, que restringiu seu uso a casos de baixo impacto.
  3. Criação da Licença Ambiental Especial (LAE), usada para acelerar projetos considerados estratégicos, sem necessidade de estudos aprofundados — o que enfraquece os critérios técnicos ao permitir que decisões sobre empreendimentos com alto potencial de impacto sejam guiadas por interesses políticos imediatos. Sem exigência de estudos ambientais completos, a LAE pode viabilizar obras em áreas sensíveis, como a Foz do Amazonas.
  4. Redução das etapas de consulta pública e participação social — esse enfraquecimento do processo participativo compromete a transparência e a legitimidade das decisões ambientais em projetos que afetam comunidades locais, povos tradicionais e o meio ambiente em larga escala. A limitação a uma única audiência pública, por exemplo, reduz a possibilidade de contestação e de construção de soluções compartilhadas, contrariando o princípio democrático da gestão ambiental.
  5. Enfraquecimento da atuação de órgãos como Funai, ICMBio e Iphan — o projeto retira o caráter vinculante dos pareceres técnicos emitidos por esses órgãos, mesmo em casos de impacto direto em terras indígenas, áreas protegidas ou patrimônios culturais, enfraquecendo o controle técnico especializado, permitindo que decisões políticas se sobreponham à proteção de direitos territoriais e ambientais.
  6. Ignora territórios tradicionais não regularizados, mesmo quando comunidades são diretamente afetadas — isso desconsidera povos que vivem há décadas em regiões ainda não tituladas formalmente, negando-lhes o direito à consulta prévia garantido pela Convenção 169 da OIT. Sem reconhecimento oficial, essas populações ficam vulneráveis à instalação de grandes empreendimentos sem qualquer análise de impactos sobre sua cultura, modo de vida ou segurança territorial.

O PL também permite licenciamento corretivo para obras já em funcionamento sem autorização, incentivando a irregularidade ao premiar infratores com regularização posterior.

Impacto direto na Amazônia e outros biomas

Com o PL, a obra da BR-319 pode ser favorecida, e aqui vale uma contextualização.

A BR-319, também conhecida como Rodovia Álvaro Maia, é uma estrada federal brasileira que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), atravessando uma das regiões mais preservadas da Amazônia. Inaugurada em 1976, ela foi abandonada na década de 1980 devido à falta de manutenção.

A rodovia possui 885 km de extensão, sendo a única ligação terrestre entre o Amazonas e o restante do Brasil. Seu traçado atravessa uma área de alta biodiversidade, entre os rios Madeira e Purus, passando por 28 unidades de conservação e diversas terras indígenas, como as dos povos Mura, Apurinã e Parintintin.

Em novembro de 2020, os pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Britaldo Soares-Filho, Juliana Leroy Davis e Raoni Rajão, publicaram uma nota técnica sobre os riscos da pavimentação da BR-319.

Utilizando modelos que consideram variáveis como infraestrutura, dinâmica demográfica e governança ambiental, o estudo projeta que, até 2050, o desmatamento acumulado na região poderia alcançar 170 mil km², uma área equivalente a quase quatro vezes o estado do Rio de Janeiro ou quase o território inteiro do Uruguai, quadruplicando a média histórica.

A pavimentação pode facilitar o acesso de grileiros e madeireiros ilegais, colocando em risco 40 unidades de conservação e 50 terras indígenas. A ausência de consulta adequada às populações indígenas sobre o projeto também é uma preocupação destacada pelos pesquisadores.

A perda de vegetação nativa pode afetar a regulação das chuvas, impactando regiões estratégicas para o agronegócio nos estados do Centro-Oeste, como Mato Grosso e Goiás, além do Sudeste, com destaque para Minas Gerais e São Paulo, onde a agricultura e a geração de energia hidrelétrica dependem fortemente do regime de chuvas regulado pela floresta amazônica.

A estimativa da UFMG é que a redução de chuvas acarretará prejuízos de US$ 350 milhões anuais apenas nas receitas de geração de energia hidrelétrica, cultivo de soja e pecuária.

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontam que a pavimentação pode aumentar a incidência de doenças infecciosas na região, devido ao desequilíbrio ecológico e à proliferação de vetores.

A postura do governo Lula durante a tramitação

Apesar de o Ministério do Meio Ambiente ter se posicionado contra o PL, a articulação política do governo federal foi considerada inoperante. A ministra Marina Silva não teve respaldo efetivo da Casa Civil nem da Secretaria de Relações Institucionais.

Segundo reportagem da SUMAÚMA, em maio de 2024, enquanto Marina estava em missão oficial na China com o presidente Lula, seu secretário-executivo João Paulo Capobianco procurou a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) para tratar do tema.

A reunião foi esvaziada: Gleisi deu atenção a uma pauta ligada ao agronegócio no Pará e se recusou a discutir o PL da Devastação, pedindo que “as assessorias conversassem”. Os técnicos do Ministério do Meio Ambiente sequer foram convidados a participar efetivamente do encontro.

Nos meses seguintes, o senador Confúcio Moura (relator do PL na Comissão de Meio Ambiente) afirmou publicamente que a Casa Civil havia retirado o apoio técnico às negociações. 

O SUMAÚMA apontou que o governo Lula não orientou sua base aliada a votar contra e tampouco interveio para barrar a votação em caráter de urgência. Ainda que o presidente não tenha se posicionado diretamente a favor, sua ausência e o apoio de setores do Executivo contribuíram para o avanço do projeto no Senado.

Além disso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que foi eleito com o apoio do governo Lula, foi responsável por colocar o projeto em votação. De acordo com o senador Renan Filho (MDB-AL), a nova lei de licenciamento ambiental “dará a Lula base de apoio a investimentos vitais ao país”.

O que dizem entidades e especialistas

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) classificou o projeto como um “grave retrocesso”. Em nota pública, a entidade destacou que o PL desmonta mecanismos essenciais de controle e pode abrir caminho para novas tragédias ambientais, como Mariana e Brumadinho.

Para refrescar sua memória, o desastre de Mariana foi o rompimento da barragem de Fundão, operada pela Samarco (Vale + BHP Billiton), que ocorreu em novembro de 2015. Como consequência, 19 pessoas morreram e houve a liberação de 39 milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro. O rio Doce foi contaminado até o litoral do Espírito Santo.

Já o desastre de Brumadinho foi o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, que aconteceu em janeiro de 2019. Nesse caso, 272 pessoas morreram e uma lama tóxica soterrou instalações da Vale e comunidades.

O Observatório do Clima e o Greenpeace também falaram sobre o risco de o Brasil perder sua capacidade de cumprir metas climáticas e de preservar biomas essenciais para o planeta. O PL, segundo essas entidades, é incompatível com compromissos internacionais e fragiliza ainda mais a governança ambiental.

O Brasil se comprometeu, em novembro passado, a reduzir suas emissões líquidas de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005. A porcentagem equivale a emissões entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente em 2035.

Com o PL, essa meta fica distante, pois ele facilita obras de infraestrutura e empreendimentos que historicamente estão ligados à expansão do desmatamento, um dos principais vetores de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

O que acontece agora?

O PL volta à Câmara dos Deputados para análise das alterações feitas no Senado. Os deputados podem acatar ou rejeitar essas mudanças antes que o texto siga para sanção ou veto presidencial. Lula poderá vetar parcial ou integralmente o projeto, mas dependerá de pressão social e política para isso.

Caso o PL seja sancionado, sua constitucionalidade ainda pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente em pontos que violam direitos de populações tradicionais e normas ambientais.

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