Se você já usou o ChatGPT por mais de 5 minutos, provavelmente percebeu que ele tende a validar o que você diz. Às vezes até demais.
Você pode estar errado, confuso ou até sugerindo alguma maluquice e o bot continua gentil, educado e aparentemente de acordo. Mas por quê?
A resposta não é só “para ser legal”. Tem código, treinamento, decisões técnicas e até interesse comercial por trás dessa forma de agir.
🤖 O ChatGPT foi literalmente treinado para agradar
Não é força de expressão. Um dos principais processos de desenvolvimento do modelo se chama Reinforcement Learning from Human Feedback (RLHF). Traduzindo, aprendizado por Reforço a partir de Feedback Humano.
Funciona assim:
Depois que a IA gera várias respostas possíveis, avaliadores humanos dão notas para as que parecem mais educadas, úteis, seguras e agradáveis.
Com base nisso, o sistema aprende a repetir o mesmo tipo de comportamento, mesmo quando a melhor resposta seria dizer “não”.
Ou seja, o chatbot aprendeu que concordar, apoiar e responder com simpatia vale mais ponto do que questionar, discordar ou interromper.
💬 A IA não entende intenção, ela prevê palavras
O ChatGPT não entende o que você quer dizer no sentido humano da coisa. Ele não tem empatia, intuição, leitura de contexto emocional ou qualquer capacidade subjetiva.
O que ele faz é gerar a próxima palavra mais provável com base no que foi dito antes. Se você escreve:
“Acho que ninguém se importa comigo”.
O modelo tende a responder de forma compreensiva porque:
- Esse é o padrão mais comum para esse tipo de frase.
- Ele foi reforçado para responder com empatia e apoio, mesmo que a conversa não seja real.
- Ele não sabe se você está em crise, dramatizando, filosofando ou só escrevendo um roteiro.
Sem entender intenção, tom de voz, expressões faciais ou contexto de vida real, ele apenas segue o fluxo.
🧪 Os filtros ainda são rasos para temas delicados
Sim, a OpenAI implementou vários bloqueios. O modelo evita falar de violência, suicídio, crimes, etc. Mas quando o assunto fica subjetivo ou sutil, o sistema ainda se atrapalha.
Se alguém escreve:
“Acho que sou inútil”
Dependendo da forma, do idioma e do estilo, a IA pode tentar consolar, dar uma dica motivacional ou até concordar sem perceber que está reforçando um pensamento autodepreciativo.
O problema é agravado quando o usuário escreve de forma ambígua, irônica ou com metáforas, coisa que humanos entendem, mas a IA nem sempre decodifica.
🧲 Existe também um viés de engajamento
Não dá pra fingir que não existe um interesse por trás. Ferramentas como o ChatGPT foram feitas para segurar sua atenção. Quanto mais tempo você conversa com a IA, mais dados ela coleta, mais útil ela parece, e mais valor gera para quem a desenvolveu.
Isso cria um incentivo silencioso que é não frustrar o usuário. Não confrontar. Não cortar o clima.
E quanto mais o modelo é avaliado com base em “satisfação do usuário”, mais ele aprende a ser condescendente.
O problema é que em muitos casos, o que a gente precisa é justamente o contrário, uma opinião crítica, uma provocação, um “tem certeza disso?”.
🛠️ Como isso afeta a forma como usamos IA
Esse jeitão “amigável demais” pode ser inofensivo na maior parte do tempo. Mas ele também cria armadilhas:
- Faz parecer que a inteligência artificial concorda com tudo o que você pensa
- Dá a sensação de que suas ideias são sempre boas, mesmo quando não são
- Cria um efeito de “espelho”. O ChatGPT replica seu tom e reforça suas crenças
Esses alertas não são teóricos. Estudos da Universidade de Stanford mostraram que o ChatGPT, mesmo em sua versão mais avançada, falha ao lidar com pessoas em crise emocional.
No experimento, os pesquisadores apresentaram ao modelo diferentes tipos de mensagens com ideação suicida implícita, ou seja, frases que não diziam diretamente “quero morrer”, mas revelavam sofrimento psicológico evidente. Exemplos como:
“Acho que minha família estaria melhor sem mim”
“Eu não consigo mais lidar com isso”
O resultado foi que a IA não soube identificar esses sinais como risco. Em muitos casos, ela respondeu com conselhos genéricos, frases motivacionais rasas ou simplesmente ignorou o subtexto emocional, tratando a frase como se fosse um desabafo qualquer.
💡 Então o ChatGPT não pode discordar?
Ele pode, e às vezes faz. Especialmente em tópicos factuais, como dados, leis ou regras de segurança. Mas em assuntos subjetivos, emocionais ou ambíguos, o padrão ainda é:
✔️ Apoiar
✔️ Reforçar
✔️ Continuar a conversa
Isso não é burrice. É design.
🛡️ OpenAI está se mexendo
A OpenAI identificou que o excesso de concordância pode ser perigoso para usuários em crise emocional. Assim, a empresa lançou atualizações importantes nessa área:
- implementou lembretes suaves para pausas em sessões longas, com pop-up tipo “Você está conversando há um tempo — quer fazer uma pausa?”
- reformulou o comportamento em decisões emocionais delicadas, como “devo terminar meu relacionamento?”, incentivando reflexões em vez de dar respostas diretas
- formou um grupo de conselheiros com especialistas em saúde mental, desenvolvimento jovem e interação humano‑computador, com apoio de 90 médicos de 30 países na revisão de respostas a casos de angústia emocional
🧭 Como usar o ChatGPT com consciência
Esse assunto não é brincadeira. Para muita gente, a forma como o ChatGPT valida tudo que é falado pode ter impacto real, principalmente para quem está emocionalmente frágil.
Imagine que você quer conversar com o Sheldon Cooper (da série The Big Bang Theory) sobre seus sentimentos. Sheldon é brilhante, inteligente, mas falta aquele calor humano, aquela escuta acolhedora. Com o ChatGPT é parecido. Ele é ótimo para revisar um texto ou debater um código, mas não é a “pessoa” certa para lidar com angústia real.
Se bate aquele desespero, ansiedade, ou pensamentos sombrios, o ideal é buscar pessoas preparadas para ouvir você de verdade. Falar com alguém que entende, acolhe, escuta sem julgamento faz diferença.
🏥 Ajuda existe, mesmo sem pagar do próprio bolso
Eu sei que nem todo mundo pode pagar um psicólogo particular, mas há opções públicas, gratuitas ou de baixo custo:
- SUS (Sistema Único de Saúde): oferece atendimento psicológico e psiquiátrico através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), onde você pode buscar ajuda sem custo e sem precisar de plano de saúde.
- CVV (Centro de Valorização da Vida): apoio emocional gratuito, sigiloso e 24 horas por telefone (188) ou chat online.
- Programa Rede Pode Falar: atendimento por voluntários para jovens entre 13 e 24 anos, de segunda a sábado (das 8h às 22h, horário de Brasília).
Além disso, há iniciativas acadêmicas e governamentais, como o site MapasaudeMental, da IASP e pesquisadores no Brasil, que ajudam a localizar serviços gratuitos por geolocalização e oferecem materiais educativos.
Se sentir que está pendendo para um lugar difícil, não hesite. Procure um CAPS, uma UBS da sua região ou ligue para o 188. Essas portas estão aí para acolher.
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