As bets deixaram de ser um nicho de apostadores experientes para se tornarem uma das febres mais perigosas e lucrativas da internet brasileira. Alavancadas por influencers com audiências milionárias, essas plataformas têm causado prejuízos silenciosos a milhares de famílias. Entre os nomes mais comentados está o de Virginia Fonseca, empresária e influencer, que hoje é um dos rostos mais conhecidos desse mercado.
Como funcionam as apostas e por que as plataformas sempre lucram
As casas de bets funcionam com base em apostas de cota fixa: o apostador escolhe um resultado e, caso ele aconteça, recebe um valor previamente estipulado. Mas as chances não são aleatórias.
Essas plataformas utilizam algoritmos matemáticos e estatísticos avançados para calcular as probabilidades de cada resultado em um evento esportivo. Com base nesses cálculos, definem as chamadas “cotas” ou “odds” — ou seja, quanto será pago ao apostador em caso de acerto. Essas odds são ajustadas de modo que, no longo prazo, a casa sempre mantenha uma margem de lucro garantida, conhecida como “vig” ou “margem da casa”.
Mesmo quando alguns apostadores têm ganhos pontuais, a grande maioria perde pequenas quantias que, somadas, representam lucros milionários para as plataformas. Além disso, essas empresas lucram com o comportamento compulsivo de muitos usuários que seguem apostando para tentar recuperar perdas anteriores — o chamado “tilt”, comum também em jogos de pôquer.
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Outro ponto importante é o uso da ilusão de controle. Muitos apostadores acreditam que, por conhecerem bem um time ou um campeonato, têm mais chances de vencer. Essa falsa sensação de domínio sobre o resultado leva a mais apostas, mas, na prática, a maioria continua perdendo.
As odds também não são fixadas apenas com base nas chances reais de um evento acontecer. Elas são ajustadas conforme o volume de apostas em determinados resultados, de forma a equilibrar os riscos da casa. Com isso, as plataformas podem tornar uma aposta mais “atraente” ou “enganosamente provável”, induzindo o apostador a investir em escolhas menos vantajosas.
As apostas múltiplas, ou combinadas, são outro elemento que merece atenção. Elas prometem grandes prêmios com apostas pequenas, mas exigem que vários eventos diferentes aconteçam exatamente como previsto. O risco é exponencial — e, mesmo que a pessoa acerte quatro de cinco palpites, basta um erro para perder tudo.
Além disso, as plataformas apostam pesado na fidelização do usuário por meio de bônus, cashback, rodadas grátis e programas de pontos. Esses incentivos criam a sensação de estar “ganhando” algo, mesmo quando o saldo final é negativo, prolongando o tempo de exposição ao jogo.
Aparência das bets
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Sites e aplicativos de apostas são projetados com técnicas avançadas de gamificação, que transformam a experiência do usuário em algo viciante, semelhante a jogos mobile, mas com consequências reais — e, muitas vezes, devastadoras. Esses elementos vão muito além de simples distrações visuais. Eles são mecanismos psicológicos cuidadosamente aplicados para prolongar o tempo de permanência do jogador, estimular comportamentos compulsivos e dificultar o rompimento com o hábito de apostar.
Esses recursos são: notificações constantes avisando sobre “oportunidades imperdíveis”, estatísticas em tempo real, desafios diários, recompensas por streaks (sequência de dias apostando), além de sons de vitória, cores vibrantes e animações de celebração quando há algum ganho, mesmo que pequeno. Isso ativa no cérebro o sistema de recompensa dopaminérgico, o mesmo que está envolvido em vícios como drogas, jogos de azar e redes sociais.
Ao reforçar pequenas vitórias de forma visual e sonora, as plataformas criam uma sensação enganosa de progresso. É o chamado reforço intermitente, um conceito da psicologia comportamental no qual o cérebro se condiciona a continuar tentando, porque eventualmente “pode ganhar”. Esse tipo de estímulo é comprovadamente mais viciante do que recompensas constantes ou previsíveis.
Com o tempo, esse padrão leva a um estado de hiperfoco e impulsividade, onde o apostador já não toma decisões racionais, mas age por impulso, muitas vezes tentando recuperar perdas passadas — um comportamento conhecido como chasing losses, agravado pela chamada zona cinzenta emocional, em que o jogador não consegue mais distinguir o que é lazer, obrigação ou desespero financeiro.
Joga quem quer!
A frase “joga quem quer” é frequentemente usada para justificar a existência e a atuação agressiva das casas de apostas no Brasil. À primeira vista, ela apela ao argumento do livre-arbítrio: cada pessoa teria autonomia para decidir se quer ou não participar de jogos de azar. No entanto, essa visão ignora todo o ecossistema de manipulação psicológica, aliciamento e vulnerabilidade social que envolve o universo das apostas esportivas.
Em um país marcado por baixa educação financeira, desigualdade social crônica, alto desemprego e acesso limitado a serviços de saúde mental, a decisão de apostar raramente é tomada em um cenário de plena consciência e equilíbrio emocional. Pelo contrário: muitos veem nas apostas uma forma rápida de tentar sair de dificuldades financeiras, o que os torna presas para narrativas sedutoras de “ganhos fáceis” divulgadas por influencers e plataformas.
Imagem: ChatGPT
Além disso, gatilhos emocionais como medo de perder (FOMO), ansiedade por resultados imediatos e validação social (ao ver influencers comemorando ganhos) são explorados intensamente pelas bets.
Por isso, dizer que “joga quem quer” é uma simplificação perigosa. A decisão de apostar não acontece num vácuo, mas dentro de um ambiente altamente manipulado, que explora fragilidades emocionais e sociais. Em muitos casos, o livre-arbítrio é apenas uma ilusão cuidadosamente cultivada, enquanto o jogador é conduzido, passo a passo, a um comportamento de risco do qual dificilmente conseguirá sair sem ajuda especializada.
Histórias reais de perdas
Adriano Monteiro, São Paulo
Adriano Monteiro, técnico de eletrônica de Piracicaba (SP), iniciou suas apostas esportivas em 2017 com valores pequenos, como R$ 5. Com o tempo, o hábito evoluiu para um vício, levando-o a perder R$ 170 mil, seu carro e emprego. Ele chegou a vender sua casa, acumulou dívidas e enfrentou episódios de depressão profunda.
Em busca de recuperação, Adriano criou o canal no YouTube chamado Apostador Falido, onde compartilha sua experiência com o vício em apostas e alerta sobre os perigos desse comportamento. O canal também serve como espaço para que outras pessoas compartilhem histórias semelhantes, promovendo conscientização sobre os riscos das apostas compulsivas.
Gustavo Martins, Minas Gerais
Em junho de 2024, Gustavo Martins, um mineiro de 28 anos, relatou nas redes sociais que perdeu todo o seu salário em apenas um dia e meio ao apostar no “Jogo do Tigrinho”, também conhecido como Fortune Tiger.
Gustavo começou a apostar por diversão com amigos, mas rapidamente desenvolveu um comportamento compulsivo. Nos primeiros meses, chegou a ganhar R$ 50 mil, o que o levou a considerar abandonar o emprego para viver apenas das apostas. No entanto, a busca por ganhos maiores resultou em perdas, comprometendo seu salário e levando-o a reconhecer o vício.
Marcos Roberto Machado, Mato Grosso
Marcos Roberto Machado, mecânico de 52 anos, desapareceu em 21 de maio de 2024. Seu corpo foi encontrado em 9 de julho do mesmo ano, em estado de decomposição, dentro de um carro capotado na rodovia BR-163, em Diamantino (MT).
Segundo relatos da família à polícia, Marcos acumulou uma dívida de R$ 200 mil com um agiota devido a perdas no Jogo do Tigrinho. Ele teria solicitado empréstimos para continuar apostando, agravando sua situação financeira.
Mais impactos negativos das bets
Entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões em apostas online, o que representa 0,22% do PIB nacional. Essa realidade tem levado muitos apostadores a desviar recursos destinados a necessidades básicas, como alimentação e moradia, para continuar apostando — o que resulta em altos níveis de endividamento. Segundo o Instituto Locomotiva, 86% dos apostadores estão endividados e 64% têm o nome negativado em serviços de proteção ao crédito.
Além do prejuízo financeiro, o vício em apostas online tem impactos profundos na saúde mental dos jogadores. Dados do mesmo instituto mostram que 51% dos apostadores experimentam aumento de ansiedade, 27% relatam mudanças de humor e 26% enfrentam estresse associado à atividade.
Imagem destaque: ChatGPT
O vício também repercute nas relações sociais e familiares. Jogadores problemáticos enfrentam conflitos em casa, afastamento de amigos e, em casos mais graves, chegam ao isolamento total. A combinação de descontrole financeiro e sofrimento emocional pode, em situações extremas, desencadear pensamentos suicidas.
Outro dado é a desproporcionalidade do impacto entre classes sociais. A facilidade de acesso às plataformas por meio de dispositivos móveis, somada à falta de políticas públicas de prevenção, torna as camadas mais vulneráveis da população mais suscetíveis ao vício. Um estudo da consultoria Strategy, vinculada à PwC Brasil, destacou que as apostas representam 1,38% do orçamento familiar das classes D e E.
O alerta da saúde pública
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o jogo patológico como um transtorno de saúde mental desde 1992, classificando-o no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) como um comportamento repetitivo e persistente de jogar, que se mantém mesmo diante de consequências negativas graves.
Na versão mais recente, o CID-11, o problema foi reclassificado como “transtorno devido a comportamentos aditivos”, o que o aproxima, clinicamente, de vícios como a dependência em substâncias psicoativas. Esse estímulo constante gera um ciclo viciante de reforço, tolerância e abstinência, muito semelhante ao que ocorre em usuários de substâncias químicas.
- Tolerância: o jogador precisa apostar valores cada vez maiores para sentir o mesmo nível de prazer ou excitação.
- Abstinência: a interrupção do hábito pode causar sintomas como irritabilidade, ansiedade, insônia e agitação.
- Recaída: mesmo após perdas, conflitos familiares e promessas de parar, o jogador retorna ao comportamento de risco, muitas vezes com mais intensidade.
Legalização por interesses econômicos?
Apesar das evidências de dano social, o Brasil legalizou as apostas online em 2023 com a Lei 14.790. A aprovação contou com apoio de 292 parlamentares que viram no mercado de bets uma fonte bilionária de arrecadação. Além disso, políticos justificaram a aprovação da lei como uma forma de combater o mercado clandestino e regular a publicidade dessa indústria.
Até o momento, em maio de 2025, o governo brasileiro ainda não divulgou oficialmente os dados finais sobre a arrecadação proveniente das bets no ano de 2024. No entanto, Fhoresp e IDT-CEMA estimaram que o mercado de apostas esportivas e cassinos online no Brasil faturaria mais de R$ 100 bilhões entre 2024 e 2026, com uma arrecadação tributária de R$ 12 bilhões, considerando uma alíquota de 12%.
Brechas da lei
A legislação estabelece que a publicidade não deve apresentar as apostas como socialmente atraentes ou como solução para problemas financeiros. Além disso, proíbe a veiculação de mensagens que digam que o jogo é uma alternativa ao emprego ou fonte de renda adicional.
A lei também proíbe práticas prejudiciais, como a oferta de bônus ou adiantamentos para incentivar apostas, e exige que as operadoras sigam diretrizes de publicidade responsável.
A regulamentação impõe medidas para a identificação obrigatória dos jogadores, restrições ao uso de cartões de crédito para apostas e a exigência de que as empresas tenham sede no Brasil. Essas ações buscam dificultar o acesso de menores de idade às plataformas, prevenir fraudes e garantir que as transações financeiras sejam rastreáveis.
No entanto, um aspecto pouco debatido é a falta de transparência nos algoritmos que definem as probabilidades e o funcionamento das plataformas de apostas. Diferentemente de mercados regulamentados, como o de ações, onde há exigência de divulgação de informações e auditorias independentes, as bets não são obrigadas a divulgar como calculam as odds.
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Essa assimetria de informação coloca o apostador em clara desvantagem. Sem transparência sobre os métodos utilizados para definir as probabilidades, o jogador toma decisões com base em dados incompletos, muitas vezes induzido por ilusões de controle e expectativas irreais de ganho, o que compromete qualquer tentativa de escolha consciente e coloca em xeque a noção de que as apostas são praticadas de forma justa ou equilibrada.
Além disso, especialistas em ética digital, neurociência e comportamento do consumidor têm falado sobre o uso de algoritmos e inteligência artificial (IA) para identificar e explorar comportamentos vulneráveis dos usuários.
Estudos conduzidos pelo Instituto Max Planck e o Center for Humane Technology apontam que essas tecnologias são capazes de traçar perfis psicológicos detalhados dos jogadores com base em seus padrões de uso, e podem ser utilizadas para direcionar publicidade personalizada, reforçar impulsos e manter o usuário engajado por mais tempo. Sem dúvida, esse cenário aumenta o risco de dependência comportamental e prejuízos financeiros, configurando um ambiente altamente manipulador sob a fachada de entretenimento.
O papel dos influencers: lucro por cada perda
Com uma população jovem, altamente conectada e financeiramente vulnerável, o Brasil se tornou um terreno fértil para as campanhas das casas de apostas nas redes sociais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023, 21,2% dos jovens entre 15 e 29 anos não estudavam nem trabalhavam, totalizando 10,3 milhões de pessoas. Embora esse seja o menor índice já registrado em anos, ainda representa uma parcela considerável da juventude brasileira em situação de vulnerabilidade.
Já para os jovens empregados, a renda média mensal é de R$ 1.854,01, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego divulgados em abril de 2025. Este valor é a média nacional, sendo que 67,1% dos jovens recebem menos que isso. Nesse sentido, essa quantia pode ser insuficiente para cobrir despesas básicas, principalmente em grandes centros urbanos, contribuindo para a precariedade financeira dessa faixa etária.
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Com esse cenário em mente, influencers promovem as casas de bets oferecendo cupons de desconto e prometendo ganhos fáceis e rápidos. Muitas vezes, esses “criadores de conteúdo” recebem comissões que são diretamente proporcionais às perdas financeiras dos apostadores que indicam, configurando um modelo de incentivo perverso.
Eles promovem as apostas como uma forma acessível e rápida de mudar de vida. Vídeos com frases como “ganhei R$ 500 em 5 minutos no Tigrinho” ou “isso me tirou da quebrada” alimentam a ideia de que apostar é uma rota possível para o sucesso financeiro.
Muitos desses vídeos usam ostentação visual (relógios caros, viagens, carros de luxo) para criar uma associação direta entre apostas e riqueza — algo extremamente sedutor para jovens em situação de vulnerabilidade ou com baixa renda.
Instagram, TikTok, YouTube e Kwai são as principais vitrines dessas campanhas. Os criadores de conteúdo adaptam a linguagem e o ritmo ao público jovem, com vídeos curtos, dinâmicos e com linguagem informal — muitas vezes até com memes e humor.
Isso se soma ao algoritmo dessas plataformas, que entrega esse tipo de conteúdo com alta frequência, gerando uma sensação de que “todo mundo está ganhando com apostas”, o que contribui para normalizar e incentivar o comportamento.
A CPI das bets: investigando os bastidores do mercado
A Comissão Parlamentar de Inquérito das Apostas, conhecida como CPI das Bets, foi criada em novembro de 2024 para investigar o impacto das apostas online na sociedade brasileira, entendendo como essas casas afetam financeiramente os apostadores, os possíveis danos sociais decorrentes do vício em jogos, além de analisar a atuação de pessoas públicas que promovem essas plataformas.
Presidida pelo senador Dr. Hiran Gonçalves (PP-RR) e tendo como relatora a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), a CPI:
- Analisa o impacto das apostas online na saúde financeira dos brasileiros;
- Investiga possíveis associações entre casas de apostas e organizações criminosas envolvidas em lavagem de dinheiro;
- Examina o uso de influencers na promoção e divulgação de plataformas de apostas.
Desde sua instalação, a CPI das Bets aprovou 400 requerimentos, com convites, convocações, quebras de sigilo e pedidos de informação. Inicialmente prevista para encerrar seus trabalhos em 30 de abril de 2025, a CPI teve seu prazo prorrogado por 45 dias, estendendo-se até 14 de junho. A prorrogação foi solicitada devido ao elevado volume de dados recebidos e à necessidade de aprofundar as investigações.
Nessa extensão, um dos nomes que chamou a atenção foi o de Virginia Fonseca, a maior influencer do Brasil.
Virgínia na CPI das bets
Imagem: Band B
A influencer prestou depoimento à CPI das Bets no Senado em 13 de maio de 2025, na condição de testemunha. Sua convocação foi motivada por sua popularidade — mais de 50 milhões de seguidores apenas no Instagram — e envolvimento em campanhas publicitárias de casas de apostas online, sendo considerada peça-chave para entender a estratégia de comunicação dessas empresas.
Em seu depoimento, Virgínia negou que recebesse comissões baseadas nas perdas dos apostadores influenciados por ela. A empresária afirmou que seus contratos previam remuneração fixa e, em alguns casos, bônus por faturamento da empresa, mas não atrelados diretamente às perdas dos usuários.
É importante ressaltar que casas de apostas não vendem um produto tradicional: sua receita é gerada exclusivamente a partir das perdas dos jogadores. Sendo assim, alegar que os bônus recebidos não têm relação com essas perdas é, no mínimo, contraditório. Se o lucro da empresa vem do prejuízo dos usuários, qualquer bônus por desempenho ou faturamento, direta ou indiretamente, depende do dinheiro que esses apostadores perdem.
A influencer mencionou que, devido a cláusulas de confidencialidade, não pôde comentar publicamente sobre os termos contratuais com as plataformas de apostas. No entanto, comprometeu-se a compartilhar os documentos com a CPI sob sigilo.
Virgínia também declarou que sempre orientou seus seguidores sobre os riscos das apostas, frisando que menores de 18 anos não devem participar e que é importante jogar com responsabilidade. A empresária afirmou ainda que nunca promoveu plataformas não regulamentadas.
Um ponto de destaque durante o depoimento foi quando Virgínia questionou a CPI sobre a ausência de outras figuras públicas e instituições que também promovem casas de apostas — como clubes de futebol, eventos esportivos e emissoras de televisão.
Ela tem um ponto
Imagem: GROK
Em 2025, todos os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro possuem algum tipo de patrocínio de casas de apostas, sendo que 18 deles têm essas empresas como patrocinadoras máster — com maior destaque em uniformes e materiais de divulgação.
As principais emissoras de TV do Brasil não apenas veiculam propagandas de bets, como também planejam lançar suas próprias plataformas de apostas:
- Globo: realizou uma parceria com a MGM Resorts para lançar a MGMBet, aproveitando a base de usuários do Cartola FC.
- SBT: anunciou o lançamento da “Todos Querem Jogar” (TQJ), em colaboração com a britânica OpenBet.
- Band: está em negociações para estabelecer sua própria casa de apostas.
As bets também estão presentes em grandes eventos esportivos. O Campeonato Brasileiro, por exemplo, é patrocinado pela Betano. Durante os Jogos Olímpicos de 2024, a Superbet teve sua marca exibida nas transmissões da Globo, enquanto a KTO foi parceira das transmissões no Sportv.
Em resposta ao questionamento de Virgínia, a senadora Soraya Thronicke afirmou que a comissão está avaliando ampliar o escopo das investigações para adicionar outras entidades envolvidas na promoção de apostas online. A parlamentar destacou que o foco inicial nos influencers se deu por causa de sua influência direta sobre o público nas redes sociais, mas que a CPI está considerando a convocação de representantes de clubes esportivos, emissoras de TV e outras organizações para prestar esclarecimentos.
Mas a presença da Virgínia na CPI repercutiu para além de suas falas
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A escolha de vestimenta da influencer ao depor na CPI das Bets gerou repercussão na mídia e nas redes sociais. A empresária compareceu usando um moletom preto estampado com o rosto de sua filha, Maria Flor, maquiagem leve, cabelos soltos e óculos discretos.
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O visual pode ser interpretado como uma tentativa deliberada de suavizar sua imagem pública. A jornalista Deniza Gurgel observou que a informalidade do traje visava transmitir uma imagem de humildade e maternidade, distanciando-se da figura glamourosa que Virgínia costuma apresentar em suas redes sociais. Essa estratégia teria o intuito de reforçar a conexão com seu público e minimizar críticas relacionadas à sua participação na promoção de apostas online.
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A escolha do vestuário também gerou comparações com outras figuras públicas. A professora Carolina Frazon Terra, da ECA-USP, comparou o visual de Virgínia ao adotado por Suzane von Richthofen em uma entrevista ao “Fantástico”, apontando que ambos buscavam transmitir inocência através da aparência.
Tudo isso sem contar com sorrisos frequentes e comportamentos inadequados para o ambiente, além da falta de raciocínio lógico para entender perguntas simples e frases sem coerência.
CPI das bests da Virgínia?
Imagem: JM Online
Fora o look da influencer, a presença do copo rosa, associado à sua marca, foi interpretada como uma forma de autopromoção durante a audiência que contou com 135 mil espectadores simultâneos. Inclusive, a criadora chegou a agradecer publicamente ao senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) por mencionar seus produtos durante a sessão.
O regimento interno do Senado e as normas que regem CPIs não proíbem diretamente depoentes de utilizar objetos pessoais com identidade visual própria. No entanto, ética e institucionalmente, não é recomendado, pois compromete a seriedade e a finalidade da audiência pública, podendo provocar reações negativas e desgastar a imagem do depoente e dos parlamentares envolvidos.
Imagem: Uol
E falando em desgastar a imagem, Cleitinho pediu para gravar um vídeo com Virgínia, solicitando que enviasse um abraço para sua esposa e filha. Ele também elogiou os produtos de “pré-treino” promovidos pela empresária.
Já Soraya Thronicke tirou uma foto com Virgínia ao final da sessão. Em entrevista ao UOL News, a senadora explicou que a própria influencer pediu a foto e que ela não quis ser indelicada ao recusar.
Por que a Virgínia divulga casas de apostas?
Essa é uma dúvida que fica no ar. Afinal, ela não é nenhuma pessoa passando por necessidades financeiras, muito pelo contrário. Durante seu depoimento à CPI das Apostas, a influencer disse que sua empresa de cosméticos, a WePink, faturou R$ 750 milhões em 2024.
A WePink, fundada em setembro de 2021, apresentou um bom crescimento desde sua criação. Em 2022, a empresa faturou R$ 168 milhões, e em 2023, esse número saltou para R$ 325 milhões. Ou seja, o faturamento de R$ 750 milhões em 2024 representa mais que o dobro do ano anterior.
Embora a WePink seja a mais conhecida, Virgínia também faz história na Talismã Digital, agência de marketing e publicidade que atua na gestão de carreiras de influencers.
Maria’s Baby também faz parte de seu portfólio. Essa é uma marca de produtos de higiene e cuidados infantis, inspirada nas filhas de Virgínia, Maria Alice e Maria Flor. A empresa oferece linhas como “Flor de Algodão”, voltada para recém-nascidos, e “Tutti Frutti”, destinada a crianças de até 10 anos.
Imagem: CNN Brasil
O marido da empresária, Zé Felipe, também “nada no dinheiro”, com uma fortuna avaliada em R$ 110 milhões. Esse patrimônio é resultado de sua carreira musical, publicidade e investimentos. Sendo assim, falta de apoio financeiro ela também não tem — não que esse seja o caso da mulher que compra uma bolsa de R$ 348 mil com o intuito de se “mimar”.
Imagem: GQ Globo
Ao ser questionada por Soraya sobre a continuidade de sua promoção a essas plataformas, Virgínia afirmou que consideraria a possibilidade de deixar de divulgar bets. Ela declarou: “Não vou mentir, eu vou pensar”.
Credibilidade em xeque?
A verdade é que a Virgínia conseguiu atingir um nível tão alto de influência que muitas pessoas vivem para defender a criadora. Desde os que fazem tatuagem ou festa com tema da filha do meio da empresária, Maria Flor, aos que apenas repetem o discurso “Ela não é culpada. Joga quem quer”.
O mais surpreendente dessa história toda é que, além de divulgar bets, mesmo sem precisar financeiramente, a imagem de Virgínia como empresária de sucesso esconde um histórico de polêmicas.
Imagem: Folha Vitória
Em 2020, ela promoveu em suas redes sociais uma loja que vendia iPhones. Uma seguidora, confiando na recomendação da influencer, adquiriu um iPhone 8 Plus, mas nunca recebeu o produto. A loja em questão desapareceu após receber o pagamento.
A Justiça entendeu que Virgínia, ao divulgar a loja, assumiu responsabilidade objetiva pela indicação. Com base no artigo 927 do Código Civil, que trata da responsabilidade por atividades que, por sua natureza, implicam risco para os direitos de outrem, o Juizado Especial Cível de Barra Mansa condenou a influencer a restituir o valor pago pela seguidora, R$ 2.639,90.
Imagem: Uol
Em 2022, Virgínia lançou uma coleção de óculos em parceria com a marca BY IK (MBC Comércio de Acessórios Ltda.). Diversos consumidores relataram não ter recebido os produtos adquiridos, mesmo após confirmação de pagamento. No site Reclame Aqui, 65% das reclamações relacionadas à marca referem-se à não entrega dos produtos. Além disso, houve relatos de óculos entregues com defeitos, como hastes tortas, e atrasos na entrega.
Devido a esses problemas, Virgínia foi processada por consumidores que não receberam os produtos. Em um dos casos, o Tribunal de Justiça do Paraná condenou a influencer a indenizar uma seguidora em R$ 2 mil por danos morais, reconhecendo sua responsabilidade na promoção e comercialização dos óculos.
Além disso, a WePink, em 2023, lançou uma base que foi criticada por propaganda enganosa, ao afirmar que o produto cuidava da pele, quando, na verdade, possuía apenas uma quantidade mínima de ingredientes ativos.
Em 2021, ela compartilhou em suas redes sociais que sofria de dores de cabeça, apontando que poderiam estar associadas à radiação dos aparelhos móveis. Posteriormente, promoveu um produto chamado “Vitae Safe”.
O produto é comercializado como um adesivo anti-radiação, desenvolvido para ser aplicado em dispositivos eletrônicos para neutralizar a emissão de radiação eletromagnética. Segundo a descrição do Vitae Safe, ele contém partículas iônicas que supostamente promovem uma ação anti-radiação.
No entanto, não há evidências científicas robustas que comprovem a eficácia de adesivos na proteção contra radiações. Além disso, a comunidade científica geralmente considera que a exposição cotidiana à radiação de dispositivos móveis está dentro dos limites seguros estabelecidos por normas internacionais.
O Brasil do “cada um por si” e o cinismo institucional das apostas
Por mais que nos indigne ver influencers como Virgínia faturando milhões ao promover plataformas que arrastam pessoas ao vício e à ruína, é preciso olhar para além do palco. Sim, ela tem responsabilidade — e não é pouca. Mas seria covardia e ingenuidade tratá-la como a grande vilã desta história. O verdadeiro problema está no centro do poder: os governantes do Brasil, que assistem ao crescimento desordenado das bets com complacência, conveniência e, sobretudo, omissão.
Imagem: ChatGPT
Virgínia não mentiu quando, diante da CPI, questionou por que só influencers estavam sendo chamados a prestar contas. E disse: “Se for tão prejudicial assim, por que não proíbem?”. A frase, dita com o tom casual que lhe é característico, escancarou uma verdade: o governo sabe que os jogos de aposta fazem mal, mas prefere lucrar com isso a proteger sua população.
Não é que faltem dados. Como você viu neste texto, o vício em apostas já é classificado pela OMS como um transtorno mental. Há aumento de quadros de ansiedade, depressão, endividamento e até suicídio entre jovens que mergulham no “Tigrinho” achando que vão mudar de vida em uma rodada. E mesmo diante disso, o que se vê em Brasília é uma lentidão proposital, uma estratégia de “regular sem incomodar”. Uma regulação que só finge existir.
O governo federal não só permitiu, como acolheu o mercado de bets com incentivos, promessas de arrecadação e blindagem política. Quando o dinheiro da publicidade bate à porta da TV aberta, das rádios e dos eventos esportivos, o discurso sobre “proteger a juventude” vira letra morta. Os mesmos parlamentares que gritam nas CPIs contra o “vício entre os jovens” são os que votam a favor de projetos que institucionalizam a farra das apostas — desde que, claro, o Estado fique com sua parte do bolo.
A hipocrisia é tanta que hoje se discute apenas a forma como se divulga o vício, e não o vício em si. influencers são acusados (com razão) de atrair crianças para plataformas de azar. Mas o que dizer de uma emissora que já prepara sua própria plataforma de apostas? De clubes de futebol que, endividados, veem nas bets a única saída financeira e vendem sua torcida a qualquer logotipo que pague bem?
A omissão dos governantes brasileiros não é só negligente — ela é cúmplice. O Estado que deveria proteger, educar e prevenir está sendo capturado por um sistema que lucra com a desinformação, a ilusão e o desespero.
Enquanto isso, a classe política faz de conta que está indignada. Organiza CPIs, distribui reprimendas, manda recados para a base de eleitores. Mas se cala quando a publicidade milionária das casas de apostas entra pelas portas do Congresso, dos estádios, dos lares e das redes sociais.
Não basta responsabilizar influencers. É preciso encarar o cinismo institucional que permitiu que o Brasil se tornasse um cassino digital a céu aberto, onde o “ganhar fácil” é vendido como sonho e a ruína como falha individual. O silêncio dos governantes não é neutralidade — é conivência.
Já que essa CPI irá até junho, o que posso dizer é “Que Deus abençoe nosso Brasil. Bora pra cima”.
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